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terça-feira, abril 18, 2006

Contra o futebol moderno

Estávamos no dia 20 de Novembro de 1999 e o Futebol Clube do Porto SAD ia defrontar o Sport Lisboa e Benfica no Estádio das Antas para o Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Era um Sábado à noite e o jogo dava na televisão pública. Paguei 500$00 pelo meu bilhete e fui para a Arquibancada. Ao meu lado tinha os meus pais (que pagaram 1000$00 cada um) e estava rodeada das personagens do costume: o senhor que tem a mania que é treinador e passa o jogo de pé a sugerir tácticas, a senhora que leva sempre uma camisola do Porto tão antiga que eu não reconheço e os pequenitos que começam a inicar-se na carreira de adepto (os menores de 12 nem pagavam entrada). Todos a vibrar numa bancada mítica (que agora já tinha cadeiras mas que todos nos lembrávamos do quão frio era o cimento), com o rádio encostado ao ouvido e os olhos pregados nos nossos ídolos.

Estamos no dia 26 de Fevereiro de 2006 e o Futebol Clube do Porto SAD joga agora com o Sport Lisboa e Benfica SAD (a moda das SAD's já pegou há muito tempo) no Estádio da Luz (que brevemente passará a Estádio Siemens ou coisa do género) para a Liga BetandWin (o nosso
velhinho campeonato foi comprado por um site de apostas). É um Domingo à noite (lá se vai o trabalho na manhã seguinte) e o jogo dá num canal privado (a Sporttv, que entretanto nos roubou os fins-de-semana de futebol a horas decentes). Paguei 25 euros pelo bilhete e vou para a Bancada Coca Cola ver o jogo (agora é assim, vendem as nossas bancadas). Ao meu lado desapareceram as personagens do costume: o senhor já não está lá porque não arranjou bilhete (o dele foi para um patrocinador qualquer), a senhora já não leva essa camisola porque o marido entretanto vai-lhe dando uma camisola diferente todos os anos e os pequenitos já não existem porque para lá estarem tinham que pagar 25 euros como eu. Todos em cima uns dos outros (porque os torniquetes electrónicos não resolveram nada), sem rádio e com os olhos pregados em jogadores que vestem a camisola por dinheiro.

Havemos de estar num dia qualquer de 2013 e o Futebol Clube do Porto SAD e Pepsi (a Pepsi comprou o nosso clube e o nosso presidente é um americano) vai defrontar o Sport Lisboa e Benfica SAD e Montepio (o banco comprou o Benfica e o presidente é um doutorado em economia) no Estádio Singer (das Antas ninguém se lembra e o Dragão não dava dinheiro pelo nome) para a Liga Ruskovich (um russo que comprou o nosso campeonato). É uma segunda às 21.30 e a partida dá em 3 canais particulares. Paguei 50 euros e vou para a Bancada Vodafone ver o jogo (a minha cadeira chama-se Sagres e não consigo estar nela de pé). Ao meu lado tenho as novas personagens: o patrocinador x, o patrocinador y e o patrocinador z. Já ninguém se levanta porque o detrás quer ver o jogo, já não se discutem tácticas porque já ninguém sabe o que isso é, já não há rádios porque as pilhas não podem entrar (em compensação temos um shopping dentro do próprio estádio que nos vende pilhas a 25 euros), já não se insultam os adversários porque a Pepsi e o Montepio têm um acordo e já não sabemos o nome dos nossos jogadores (lembramo-nos que um veio do Brasil num acordo da PT com a Telefónica e que o nosso craque foi roubado ao rival através de um grande truque de marketing). O azul e o vermelho das camisolas mal se vêem tal é a quantidade de publicidade. Os símbolos foram trocados por uma garrafa de Pepsi e um cheque do Montepio.

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Estávamos no dia 22 de Setembro de 2001 e o Futebol Clube do Porto SAD ia defrontar o Vitória Futebol Clube de Setúbal no Estádio das Antas para a Primeira Liga. Era um Sábado às 17.30. O jogo não dava na televisão. Paguei 5 euros pelo meu bilhete e fui para a Superior Sul. Estava nos Super Dragões. Canto, salto, levanto estandartes, abano bandeiras, coloco faixas, pinto frases, ouço os bombos (um dia abri tochas e fumos à vontade mas isto já proibiram). O estádio tinha gente e lá estávamos nós: os Super, o Colectivo, os Furacões Sadinos e o VIII Exército. O ambiente era controlado por nós e havia mentalidade. Os jogadores ouviam-nos e agradeciam-nos o apoio no final. Nós éramos o futebol.

Estamos no dia 10 de Março de 2006 e o Futebol Clube do Porto SAD joga com o Vitória Futebol Clube SAD no Estádio do Bonfim (um dos resistentes da Euromania) para a Liga BetandWin. É uma sexta e são 21.30(!). O jogo dá na Sporttv. Paguei 20 euros (graças a um dos poucos acordos que ainda há com as claques) e não me queixo porque até nem é mau. Estou entre os
Super Dragões e o Colectivo. No Porto a direcção cortou-nos o apoio e prefere dar bilhetes aos patrocinadores do que a nós; o Vitória está afundado em dívidas graças a uma direcção que só está preocupada em meter dinheiro para o bolso.
Canto e salto à vontade (o estádio é dos únicos que ainda tem cimento), discuto com a polícia à entrada porque não querem deixar entrar os tubos dos estandartes e das bandeiras, coloco as faixas no chão (porque no muro tapavam a publicidade), pinto frases que não entram (ao abrigo de uma lei que nos tira a liberdade) ou que nos são arrancadas lá dentro e ouço o único bombo que nos deixaram levar. O estádio está quase vazio, nós continuamos lá todos. Mas há pouca mentalidade. O ambiente é só nosso, porque o resto já desistiu deste futebol. Os jogadores ouvem-nos mas poucos são os que nos agradecem. Nós somos o que resta do futebol.

Havemos de estar num dia qualquer de 2011 e o Futebol Clube do Porto SAD não vai defrontar o Vitória Futebol Clube SAD porque este último acabou. Tal como o Salgueiros, o Farense e o Campomaiorense. Tal como o Alverca, o Estoril, a Ovarense e muitos outros. O estádio do Bonfim é agora o palco do Rock in Rio&Fanta e o campeonato está reduzido às 10 equipas sobreviventes (que se aguentaram graças aos patrocinadores que por sua vez agora mandam no clube). Já não há Super Dragões nem Colectivo (uma nova lei proibiu a existência de claques). Ninguém canta nem salta. Não há estandartes, bandeiras, faixas, frases ou bombos. Aliás, não há ninguém. Não há ambiente, não há nada. Há 22 jogadores a lutarem por dinheiro. O futebol morreu e a mentalidade também.

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Estávamos nos anos 90 e o futebol era amor, fé e crença. As claques eram isso tudo levado ao extremo, mais a loucura e a rebeldia.

Estamos na 1ª década do século XXI e o futebol são interesses, dinheiro e corrupção. Começam a tirar-nos o amor, a fé a crença quando nos tiram o bilhete para o dar a um patrocinador. Já nos tiraram a loucura e a rebeldia quando deixámos de nos insurgir contra quem nos roubou a liberdade.

Havemos de estar na 2ª década deste século e o futebol não passa de uma estratégia de marketing. Não há amor, fé e crença. Não há Ultras.

É isto que queremos?


13 Comments:

  • At 6:02 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Digno de um Pulitzer!

     
  • At 6:04 da tarde, Blogger 1893 said…

    Pulitzer nem por isso..
    Mas acho que esta num patamar superior ao cronistas dos jornais desportivos portugueses.. mas muito mais. (e nao falo so de leonor pinhão)

     
  • At 12:02 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    bravo bravo bravo

     
  • At 2:09 da manhã, Blogger Desnorteado said…

    grande texto,mas não seremos nós mais culpados por não sermos sufcientemente fortes para lutar pelo que é nosso, pelo que estamos a ver perder sos poucos e mesm oassim continuamos com snobismos e hipocrisias, será que não sermos culpados por também queremos ganhar num bilhete k vendemos a um como nós...

    Agora penso no que os gajos la na frança fizeram agora contra aquela lei do trabalho.. e penso, eles se calhar conseguiram, nós ainda andamos apenas por aqui a escrever!

    Ultras contra o futebol moderno!

    Saudaçoes
    Rui

     
  • At 11:24 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    O Rui Desnorteado tem toda a razão. É uma frase feita mas a mentalidade não se apregoa, pratica-se. A diferença é que uns agem e outros falam, falam e falam. Mas n fazem nada. Os franceses deram uma autentica liçao de resistencia e persistencia no que acreditam. Nos andamos para aqui com lamúrias. E esta diferença marca toda a diferença!

     
  • At 3:33 da tarde, Blogger C. said…

    Mas isso meus caros, é no futebol como na política e em tudo. Nós por cá não mexemos o cú para nada.

     
  • At 9:01 da tarde, Blogger 1893 said…

    Ter ate temos... mas so quando apertam MUITO os calos...

     
  • At 2:36 da tarde, Blogger Manuel Neves said…

    Acho que foi um BOCADINHO mais importante o que se passou em Paris (porque se aquilo era aprovado lá daqui a uns anos era cá...) do que qualquer manifestação sobre futebol.
    Não obstante, os nossos níveis de cidadania e de rebeldia (por muito paradoxal que pareça) andam muito por baixo. Lutamos pouco por aquilo em que acreditamos, a verdade é essa.
    Excelente texto. Muitos parabéns.

     
  • At 10:32 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Grande texto!

     
  • At 5:29 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Estou vergado ao autor do texto...

    É muito triste sentir deste modo a verdade...

     
  • At 3:53 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    isto pareceme texto da Puxa!! Estou rendido a este texto ... mais palavras pra kê? CLAP CLAP CLAP

     
  • At 8:37 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Grande texto. Gostei do exemplo dado com a Pepsi e a Liga Ruskovich, etc. Bem simples mas que retrata a realidade do futebol hoje em dia.

    []

     
  • At 10:23 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    fiquei com as lágrimas nos olhos, porque ainda me lembro quando pagava 250 escudos por ser sócio do meu clube, e via os míticos velhos com os rádios e quando se passavam (no tempo não existia os UF) puxavam pela equipa.. atiravam os rádios aos fiscais de linha, esperavam os árbitros quando havia roubos...
    agora?! É só palhaços de amarelo que pensam que são polícias..

    Bom texto!

    Silva @ FL01

     

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